A relação médico-paciente nos dias atuais tem sofrido mudanças consideráveis, exigindo do profissional da medicina cuidados para se prevenir de eventuais problemas com seus assistidos.
Em um contexto de grande circulação de informações nas redes sociais e nos meios de comunicação tradicionais, os pacientes estão cada vez mais conscientes de seus direitos. Quando se julgam lesados, recorrem ao Judiciário em busca de reparação.
O número de ações contra médicos, hospitais, clínicas e outros profissionais da saúde vem aumentando constantemente. Uma simples denúncia pode repercutir nas esferas civil, penal e ética, trazendo prejuízos significativos à reputação profissional e ao patrimônio do denunciado, caso resulte em condenação.
Diante desse cenário, torna-se essencial aperfeiçoar a relação com o paciente, minimizando riscos e documentando adequadamente as interações para eventual defesa em caso de denúncia.
Importância do TCLE
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é um importante aliado do profissional de saúde, tanto para a formalização adequada da relação médico-paciente quanto para eventual defesa judicial ou ético-administrativa.
Prosseguindo a leitura, você entenderá os riscos do uso de TCLEs genéricos e padronizados, que podem não estar em conformidade com as normas e resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) nem com as especificidades de cada paciente.
Além disso, abordaremos a importância do trabalho de um advogado especializado em Direito Médico e da Saúde. Esse profissional está familiarizado com as normas, regras e princípios jurídicos que regem a prática médica, os quais nem sempre são estudados em profundidade nos cursos de Medicina e frequentemente sofrem alterações diante das constantes atualizações.
Considerando a carga horária exaustiva enfrentada pelos médicos, acompanhar todas as mudanças nos aspectos jurídico, ético e administrativo da profissão é praticamente impossível. Por isso, com base em nossa experiência e estudos, discorreremos agora especificamente sobre o TCLE.
O que é o TCLE?
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é um documento que viabiliza a participação mútua do médico e do paciente no momento da decisão sobre o tratamento a ser ministrado.
Nele, o paciente, após ser devidamente esclarecido sobre a conduta terapêutica, decide livremente se deseja ou não seguir com o tratamento proposto.
Caso concorde, autoriza o médico a intervir para melhorar sua saúde. Caso não concorde, exerce seu direito à recusa terapêutica. Conheça os requisitos da recusa terapêutica, e como ela é tratada pelo Direito.
Por meio do TCLE, o profissional comprova que cumpriu seu dever de informar ao paciente todos os detalhes possíveis sobre sua condição e o tratamento a ser adotado.
Conforme veremos adiante, a falha no dever de informação pode gerar indenização, mesmo quando a conduta terapêutica foi corretamente aplicada. Esse é o entendimento dos Tribunais Superiores.
Portanto, o mais recomendável é não negligenciar essa etapa e providenciar TCLEs específicos e bem elaborados para cada tipo de procedimento realizado na sua prática médica.
TCLE bem elaborado
Um TCLE bem elaborado deve cumprir o dever de informar de maneira clara e objetiva. O documento não pode conter linguagem excessivamente técnica que dificulte a compreensão do paciente.
É essencial que o paciente compreenda todas as informações transmitidas pelo médico e possa decidir conscientemente sobre seu tratamento, exercendo sua autonomia e liberdade.
O TCLE não deve ser encarado como uma mera autorização de tratamento ou um instrumento de proteção contra ações judiciais. Mais importante que o documento assinado é o diálogo que o precede. É nesse momento que o médico ganha a confiança do paciente, sendo claro e atencioso ao ouvir e explicar as informações necessárias.
O médico deve garantir que o paciente esteja tomando sua decisão livre de pressões externas e verificar sua capacidade civil para discernir sobre o próprio tratamento.
O que deve constar no TCLE?
A elaboração do TCLE exige a observação de diversas recomendações, já amplamente debatidas na doutrina jurídica. O documento deve ser o mais específico possível à condição clínica do paciente e conter, entre outros, os seguintes itens:
- Qualificação do paciente e de seu representante legal (se houver);
- Problema a ser tratado;
- Procedimento proposto;
- Possíveis efeitos colaterais;
- Alternativas terapêuticas disponíveis;
- Informações sobre alta médica;
- Necessidade de repouso e tempo estimado de recuperação;
- Riscos e possíveis complicações;
- Recomendações pré e pós-tratamento;
- Dúvidas levantadas pelo paciente.
É fundamental ser transparente com o paciente, informando inclusive os riscos inerentes ao tratamento, visto que a Medicina não é uma ciência exata e cada organismo pode reagir de maneira diferente ao mesmo procedimento.
Ademais, salvo algumas exceções, o médico tem juridicamente uma obrigação de meio, ou seja, ele deve empregar todas as medidas terapêuticas disponíveis ao caso e às circunstâncias, independentemente do resultado final.
Falha no dever de informar gera condenação
Como mencionado anteriormente, um médico pode ser condenado a indenizar um paciente mesmo que tenha realizado o tratamento corretamente. Isso ocorre quando há falha no dever de informação.
Um exemplo clássico é o caso de pacientes submetidos à esterilização por vasectomia, sem serem informados de que pode haver recanalização espontânea. Ainda que essa possibilidade seja remota, o médico deve alertá-los.
Outro exemplo comum ocorre quando o paciente não é devidamente informado sobre o tempo necessário para recuperação e realiza o procedimento esperando retornar ao trabalho rapidamente. Se essa falta de informação causar prejuízos ao paciente, pode haver condenação do profissional.
O valor da indenização, nesses casos, não decorre de erro técnico, mas da falta de informação que levou o paciente a tomar uma decisão que não teria tomado caso estivesse plenamente esclarecido.
Revogação do TCLE
O consentimento manifestado no TCLE não é definitivo. O paciente pode, a qualquer momento, revogar sua autorização e optar por outro caminho para seu tratamento. Cabe ao médico apenas fornecer as orientações necessárias e respeitar sua decisão.
TCLE não evita processo
A existência do TCLE não impede o paciente de ingressar com uma ação judicial. Da mesma forma, ausência de um TCLE não implica, necessariamente, em condenação, desde que existam outros meios de comprovar a diligência profissional.
O direito de ação é subjetivo e qualquer paciente que se sinta lesado pode recorrer à Justiça. No entanto, um TCLE bem elaborado pode ser uma peça fundamental na defesa do profissional, podendo até reduzir o valor de indenizações ou levar à absolvição.
TCLE genérico, não!
Segundo a Recomendação nº 1/2016 do CFM, TCLEs genéricos são inválidos. Cada paciente é único e pode reagir de maneira diferente ao mesmo procedimento. A jurisprudência brasileira segue esse entendimento.
TCLE em urgências e emergências
Em situações de urgência e emergência, o médico deve agir em prol da vida, exercendo o chamado privilégio terapêutico. Nesses casos, devem ser consideradas as diretivas antecipadas de vontade (DAV), se existirem. Na ausência dessas diretivas, o profissional atuará em nome da beneficência e posteriormente obterá o TCLE.
Conclusão
Este artigo abordou aspectos gerais do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sem a pretensão de esgotar o tema, que está em constante evolução.
Ao longo dos próximos anos, novas mudanças podem surgir, exigindo dos profissionais da saúde a adaptação contínua para garantir segurança jurídica e qualidade no atendimento.
Com assessoria jurídica especializada, médicos podem elaborar TCLEs claros e objetivos, proporcionando aos pacientes plena autonomia na decisão sobre sua saúde, ao mesmo tempo em que minimizam riscos e resguardam sua prática profissional.